sábado, maio 17, 2008

Da responsabilidade do historiador... e da "ininputabilidade" dos outros


Em França (sempre a França...eu, que sou francófilo não me importo nada)instalou-se uma bravíssima polémica: nos media, nos meios literários, nos jornais de todas as cores. Cientistas sociais, académicos, historiadores, medievistas encartados e, claro está, na blogoesfera francesa.

A razão, ou o pretexto, um livro publicado pela reputadíssima casa Le Seuil, na prestigiada colecção L'Univers Historique. O autor, Sylvain Gouguenheim; o titulo, Aristote au Mont Saint-Michel.Les racines grecques de l'Europe chrétienne.

O autor em questão vem duma familia de resistentes ao invasor nazi, é professor de história mediéval na École Normale Supérieure de Lyon, especialista em cavaleiros teutónicos, na mística renana e nas cruzadas do ocidente (problemática onde trabalha actualmente).

Que defende o nosso expert? Fá-lo sob a forma de pergunta: "E se a Europa não devesse nada dos seus saberes ao Islão?"

O nosso académico investigou, percorreu, a bem dizer, caminhos já percorridos, para anunciar que, quem teve a responsabilidade maior na tradução dos gregos, como Aristóteles, terá sido um tal Jacques de Venise, ligado à abadia do Mont S. Michel!...

Ora bem, os argumentos científicos que são esgrimidos por mais de um medievista (em França existem mais de 600 historiadores com esta especialidade) contra a postura de do Prof. Sylvain Gouguenheim (a partir daqui será SG) são tremendos e consistentes.

Mas o que está a adquirir um carácter dramático, a extravasar os meios académicos e científicos, é a acusação,sob a forma de Petição, subscrita, por 200 professores, ex-alunos da Escola de Lyon (onde é professor SG) de que o livro em apreço pode estar a esconder uma não "démarche" cientifica! Um colectivo internacional de 56investigadores em história e filosofia da idade média, vai no mesmo sentido. Mas,a acusação mais contundente é feita por um especialista francês que, sobre a obra em apreço refere: "Livro militante, que se debruça, à vez, sobre a história da idade média e a identidade cultural e religiosa da Europa. O projecto de conjunto é ideológico e apologético: ensaio ou panfleto, no qual o verdadeiro alvo é o diálogo entre culturas. A informação cientifica é selectiva. As teses novas já eram conhecidas. A [descoberta] de Jacques de Venise é um não-acontecimento." Quem afirma tal é um dos mais reputados (se não mesmo o maior!) especialista em filosofia da idade média, cultor do grego, do árabe, do latim e doutras linguas (coisa que não ocorre com SG, que não domina nem o árabe, nem o grego...), Alain de Libera.

Para complicar a polémica, Le Figaro, jornal de centro direita e, claramente eurocentrico e anti-Islão apoia a démarche de SG e coloca-a em linha com as declarações de Bento XVI produzidas na Universidade de Ratisbona a 12 de Setembro de 2006 em que terá então imputado ao Islão um carácter estrutralmente "violento" e, terá dito ainda, que "Foi na concha cristã medieval, fruto das heranças de Atenas e Jerusalem, que se criaram a Europa e o fundamento daquilo que chamamos Europa".

Para tornar tudo isto ainda mais denso e nebuloso é o que se pode encontrar na blogoesfera e na Internet. Num site xenófobo e anti Islão, Occidentalis, e que tem como lema "Pour que la France ne devienne jamais terre d'Islam", os aplausos e as citações, antes da publicação do livro - foram mais do que suficientes para lançar a suspeita sobre a obra de SG.

Ainda não li o livro de SG (esta polémicas obrigam-nos a tal...falo-ei dentro do possível a breve trecho), mas fica-me, desde já esta preocupação de Alain de Libera, à pergunta do jornalista de Le Temps:
- Pode-se, ou não, falar das raizes gregas da Europa cristã?
-O presidente Sarkozy fá-lo. Mas deviamos, sobretudo, interessar-nos, de modo critico, às transferências culturais, uma noção inventada na idade média, com o translatio studiorum erigindo o mundo carolingio contra Bizâncio, depois o reino de França contra o Império, e a Universidade de Paris contra o Inglês,e em únicos herdeiros legitimos de Atenas e de Roma. Estas filiações reinvidicadas são mitos fundadores permitindo, como num romance familiar, a construção duma identidade colectiva."

Num outro quadro, noutra polémica, a propósito dum esforço revisionista operado pelo historiador israleita Ariel Toaff, Sabina Loriga, Professora na Ècole des hautes Études en Sciences Sociales de Paris, na Revista des Annalles, de Fevereiro de 2008, colocava uma questão de mor pertinência para o historidor, para todos o historiadores: "pode o historiador fugir ao escrutínio ético e á avaliação política" daquilo que escreve e publica? Claro que não! Diz ainda a historiadora Sabina Loriga a propósito de Ariel Toaff que, mutantis mutandi, se aplicam a SG e ao seu livro, e di-lo bem, in fine, "um historiador não pode, pois, não deve, tratar as palavras como se elas não fossem que mero papel, como se elas não tocassem na vida."

Esta polémica é a seguir, mas importa centrá-la naquilo que é o seu pano de fundo: a intolerância que vagueia pela Europa e pelo mundo, tanto do lado cristão como do lado Islámico.

Veja-se o que anda na nossa blogoesfera e percebe-se que, muito poucos de nós (que tomam partido nesta questão Islão versus Ocidente, ficam bem na fotografia.

A visão redutora, que implica a existência dum inimigo mesmo que não tenha a intenção de nos ofender ou atacar ( o escolhido...)é "sempre" necessário - até para justificar o conceito estratégico de defesa (lembram-se das preocupações de Paulo Portas, enquanto ministro da defesa, sobre esta matéria...)de que os povos carecem.

Lembram-se, ao tempo da guerra fria o que ocorria deste lado e do outro da "cortina de ferro"?, NATO versus Pacto de Varsóvia! Qualquer dia, em breve, mais do que provavelmente, vamos ter saudades da guerra fria!...

Há esforços para que tal não venha a ocorrer,mas o terrorismo islamita, de guerra santa,saudita (?)não ajuda, muito pelo contrário! Os objectivos da ONU, no quadro do Diálogo de Civilizações, de que é Alto Representante o nosso Jorge Sampaio, pode insinuar tal intenção, desjo que tal confronto, em grande escala, não venha a acontecer. O que a administração Bush fez no Iraque...veio potenciar a atractabilidade dos fundamentalistas islámicos e venho engordá-los.

Em Portugal, neste frente da luta pela paz, há manifestções, pequenas, criteriosas, tanto no mundo dos académicos, como na sociedade civil (horrorosa designação, mas que dá jeito...às vezes)e no seio dos clérigos de que destaco a argúcia e a inteligência do padre Anselmo Borges.O dominicano Bento Domingues não se fica atrás, na coluna semanal que tem no Público.

Hei-de voltar ao tema e à polémica.

JA

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