sábado, abril 12, 2008

Andoche Junot

Andoche Junot, maçon, entrou com as suas tropas em Lisboa. Vai fazer ou já fez 200 anos. Napoleão tinha sido coroado imperador pelo Papa da Igreja Católica, Apostólica e Romana. Maçon, Junot quis ser grão-mestre da maçonaria portuguesa, o que lhe foi recusado pelos maçons portugueses. Futuro rei de Portugal, como esperava e declara vir a ser, quis que na Maçonaria o retrato de D. João VI fosse substituído pelo retrato de Napoleão. A maçonaria portuguesa recusou. E que fez a Igreja Católica, Apostólica e Romana, perante este jacobino? Deu-lhe laudas e em pastorais dos seus bispos, aconselhou os fiéis a aclamaram-no, ajudando-o, denunciando e o mais que aprouvesse à hierarquia da Igreja. É Luz Soriano, na sua lucidez e rigor, que regista para o futuro as pastorais da ignomínia dos bispos-chave da hieraquia da Igreja Católica em Portugal. Recordemos alguns extractos. O cardeal patriarca de Lisboa, José Francisco de Mendonça, apela, na sua pastoral, a ler em todas as igrejas da cidade de Lisboa: "Não temais, amados filhos, vivei seguros em vossas casas e fora delas; lembrai-vos de que este exército é de sua majestade o imperador dos franceses e rei de Itália, Napoleão o Grande, que Deus tem destinado para amparar e proteger a religião e fazer a felicidade dos povos: vós sabeis, o mundo todo sabe. Confiai com segurança inalterável neste homem prodigioso, desconhecido a todos os séculos; ele derramará sobre nós as felicidades da paz, se vós respeitardes as suas determinações, se vos amardes todos mutuamente, nacionais e estrangeiros, com fraternal caridade".
É raro ler um texto com tanta hipocrisia, quando todo um povo começava a ser violado e violentado e as igrejas saqueadas.
Também o bispo do Porto, António José de Castro ( embora mais tarde se arrependa da pastoral da ignomínia e adira à Junta Patriótica do Porto), divulga entre os fiéis do seu rebanho: "Estas tropas que aqui vedes entrar, são nossas aliadas e pacíficas, e quam as manda entrar tem sido prevenido e armado por Deus de poder e sabedoria para as fazer entrar e para as saber dirigir a fim da nossa felicidade, e devemos seguramente confiar no mesmo Senhor que não seja outro o seu destino. Sim, o Immperador dos franceses e Rei de Itália, o Grande Napoleão, não poderia de outro modo servir-se de nós para aumentar a sua glória verdadeira, senão fazendo-nos felizes. Não é crível que na grandeza sem igual do seu coração, no ardente desejo da sua glória, pudesse entrar em Portugal para outro fim. Este grande imperador, elevado sobre o trono dos seus triunfos, tem unido a eles a glória de fazer dominar a nossa santa religião nos seus estados (...)
Os templos estão cheios destes militares que edificam, e que por tudo nos poem interiormente na necessidade de os amarmos como próprios filhos, e exteriormente na obrigação de darmos este testemunho público da nossa satisfação e do seu merecimento. Esperamos que este testemunho fundado já na experiência e conhecimento destas tropas religiosas, pacíficas e bem disciplinadas, vá servir não só para desvanecer aos vossos ânimos qualquer receio que vos pudesse causar a sua entrada, mas também para mostrar a obrigação em que estamos todos de praticar com elas todos os bons ofícios da caridade e de hospitalidade, como se fossem nossas próprias, e ainda mais por se acharem fora do seu país".

Trata-se é certo de uma encomneda de Roma, vinda do Papa que consagrara Napoleão como Imperador. Mas também não era necessário tanto exagero...
Por último, leiamos a pastoral de inconsútil patriotismo do bispo titular do Algarve, José Mátia de Melo, confessor privativo da louca D. Maria I : " É necessário ser fiel aos imutáveis decretos da divina providência e, para o ser, devemos, primeiro que tudo, com coração contrito e humilhado, agradecer-lhes e tantos e tão contínuos benefícios que da sua liberal mão temos recebido, sendo um deles a boa ordem e quietação com que neste reino tem sido recebido um grande exército, o qual, vindo em nosso socorro, nos dá bem fundadas esperanças de felicidade.
Este benefício igualmenmte o devemos à actividade e boa direcção do general em chefe que o comanda, cujas virtudes são por ele há muito tempo conhecidas. Lembrem-se que este exército é de sua majestade o imperador dos franceses e rei de Itália, Napoleão o Grande, que Deus tem destinado para amparar e proteger a religião e fazer a felicidade dos povos. Confiai com segurança neste homem prodigioso, desconhecido de todos os séculos; ele derramará a felicidade da paz, se respeitarem as suas determinações, e se amarem todos, nacionais e estrangeiros, com fraternal caridade. Deste modo a religião e os seus ministros serão respeitados, não serão violadas as clausuras de esposas do Senhor, e todo o povo será feliz, merecendo tão alta protecção".

O bispo do Algarve estava preocupadíssimo com a virtude das 'esposas do senhor' ( freiras em linguagem corrente). A subtância das três homilias tem uma raiz comum: a directriz do Papado para não molestar Napoleão, mesmo que Napoleão molestasse nações inteiras. A real politik do Vaticano consegue conciliar a conciliação com o Poder profano à hipocrisia da justificação do poder sagrado. Hoje como ontem...
Rogério Rodrigues

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